Tramas e Bordados de Proteção Social

Dia chuvoso. Seria a minha segunda visita ao projeto realizado pelo Serviço de Assistência Social à Família (SASF) e Proteção Social Básica no Domicílio, da Bela Vista, em São Paulo (SP), que tanto me emocionou. Eu estava hesitante achando que não haveria participante. Imagine, das 32 aspirantes a artesãs e 1 homem esperados, havia mais de 20, com o mesmo ânimo de todos os encontros das quartas-feiras, à tarde. Não foi difícil de entender, pois este espaço de aprendizagem, socialização e criatividade é o melhor lugar do mundo para essas mulheres, faça chuva ou faça sol, uma vez que nesses momentos é que, entre retalhos, papéis, desenhos e bordados, elas colocam o coração e as ideias no centro de tudo, fazendo do existir uma experiência  prazerosa, regenerativa e de oportunidades.

O propósito do serviço, sob a gerência de Selma Araújo, um dos programas sociais da Associação Cultural Nossa Senhora das Graças, que atende 1.000 famílias, também no bairro da Bela Vista, é tecer uma rede protetiva, fortalecendo vínculos e prevenindo rupturas no tecido familiar e social. Um verdadeiro patchwork comunitário que busca manter e desenvolver as tramas de famílias e pessoas em situação de vulnerabilidade social, beneficiárias de programa de transferência de renda, idosos e pessoas portadoras de deficiência. Recém-acomodados no novo endereço, mantêm uma agenda de trabalhos comunitários, com visitas às famílias e atendimento social, palestras, workshops, oficinas de inclusão produtiva e eventos.

Sonia Maria Pinheiro e os trabalhos de patchwork. Fotos: Cibele de Barros

O nosso radar para o projeto foi ativado a convite da professora de costura Virgínia Teixeira, que realiza as oficinas de patchwork. Ela nos conta sobre a relevância dessa técnica como resposta às diferentes necessidades do grupo, desde o simples lazer até a busca de uma ocupação produtiva, de apoio psicossocial e emocional que organize os dramas pessoais e alinhave uma estrutura mais corajosa para o enfrentamento da vida. Entre os pedidos de ajuda para corrigir os pontos do bordado disputam a atenção da mestra outros cuidados.

“Elas começaram o curso com a professora de costura, mas logo me veem como conselheira, advogada, psicóloga, até psiquiatra”, diz Virgínia. Nesse processo, retecem os elos de confiança nas próprias  capacidades e nos outros, e o isolamento e a fragmentação do sujeito tornam-se soma e composição. A intensidade do desejo de autorrealização por meio da transformação de um simples pedaço de pano em algo bonito parece alimento para algumas alunas que devoram a própria criação, numa expressão de regozijo de causar inveja a Michelangelo! Saltou de mim uma carência de panos e linhas, nesta conexão silenciosa, quase sagrada, entre a obra e o criador, que revela, talvez, o melhor de nós.

Selma Araújo e Virgínia Teixeira. Fotos: Cibele de Barros

Extrapolando o caráter holístico e emocional da cena, quatro alunas já produzem e vendem na feira dos idosos, outras produzem por encomenda. Empreender não é fácil, e para essas mulheres, adicione um ponto! Romper com o estigma de incapacidade e preconceitos exige muito patchwork, mas tenho fé que com este grupo elas chegam lá! Para dar ainda mais fôlego ao ambiente, o projeto deve abrigar, em breve, a Escola de Moda, um convênio com o Governo do Estado de São Paulo que promete novas revoluções. E assim seguimos na rota de costuras afetivas que transformam vidas!

Serviço de Assistência Social à Família (SASF) Bela Vista

Artigo escrito originalmente para a revista Costura Perfeita em 2018 e atualizado em 2024.

Edição 106 – Ano 2018

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