“Reza a crença e a lenda popular de que, sempre que flor do mandacaru desabrochar dos céus, as águas da chuva irão brotar, para o solo molhar, irrigar, fazendo a vida germinar.”
Claudio Leite
Histórias de vidas são tão surpreendentes quanto as flores de mandacaru, símbolo de resistência, que explodem em formosura quando a secura da terra só tem as lágrimas do nordestino como consolo. Há beleza e revelações em toda parte, mesmo nas dificuldades, indicando que somos passageiros do tempo e que a superação pode estar na próxima estação. Na melodia da toada que mescla o lamento do retirante à esperança de uma vida melhor, surge a inspiração para o “Flor de Cabruêra”, um empreendimento de costura autogerido por 3 mulheres incríveis, com raízes nordestinas, que desenvolvem e confeccionam projetos de bolsas, sacolas, produtos utilitários e decorativos, com o reaproveitamento de materiais como banners, retalhos de tecidos, cintos automotivos, entre outros.
Mas as sementes dessas flores foram lançadas muito antes, em 2000, quando o artista cearense Antônio Hermes de Souza desembarcou na Zona Leste de São Paulo, no bairro União da Vila Nova, após 10 anos de incursões em presídios, cenário árido, mas justamente onde viu desabrochar a sua flor de mandacaru – o talento para esculturas em madeira e a habilidade de agregar e escutar as pessoas. Indignado com as condições sociais, a violência e o abandono das pessoas que viviam da coleta e reciclagem do Lixão Bota Fora, Hermes colocou sua arte e visão empreendedora a serviço da transformação dessa realidade.
Muitas flores desabrocharam nas oficinas de escultura e entalhe que realizou com jovens do bairro, mas o jardim da Vila Nova se completou em 2005, com a soma de esforços das famílias e parceiros para a formalização do Instituto NUA – Nova União da Arte, que promove o desenvolvimento local e cria uma rede de proteção e formação para os jovens e adolescentes por meio da cultura, do esporte e da geração de renda. Nesse terreno fértil, germinaram vários projetos, entre eles, em 2007, o Filó Cabruêra, uma empresa social de costura que trouxe o DNA das raízes de Hermes e das mulheres da comunidade em bolsas de couro, costuradas à mão, e em sacolas e acessórios, feitos do reaproveitamento de banners.
A empreitada atraiu jovens e mães para atividades de bordado, capacitação em corte, costura e empreendedorismo, produção de brindes corporativos e produtos da marca, rebatizada de “Flor de Cabruêra”, em homenagem à força dessas mulheres; em sua maioria, nordestinas. Entre elas estavam as jovens Lúcia e Jaqueline, “crianças do NUA”, diz Cristina, que, já adultas, casadas e com os filhos também atendidos pelo projeto, à casa retornaram e iniciaram suas jornadas profissionais como costureiras e empreendedoras. Lucia, do Maranhão, chegou por curiosidade, aprendeu quase tudo no coletivo e se apaixonou pela costura. Jaqueline, pernambucana, já costurava suas roupas à mão desde menina!
Filha do NUA, Lúcia frequentou diversas atividades, fez teatro e, quando adulta, retornou ao projeto, mas desta vez para dar aulas de costura e trabalhar nas produções. O vínculo com o NUA se manteve próspero até 2018, quando um novo período de estiagem secou os recursos e elas foram convidadas a assumir a empresa. Eis que mais uma flor despontou na aridez do medo, com a oferta de parceria da cliente Re’bags. Juntas, fortaleceram os vínculos produtivos, promoveram a chegada de Cristina, para ajudar na estruturação do negócio, nas vendas e nos relacionamentos, e suavizaram a transição para o novo ciclo, que é desafiador, sim! Mas cheio de fé e esperança, como sugere a linda Flor de Cabruêra!




Flor de Cabruêra
Para saber mais e entrar em contato, visite o site do projeto
https://www.instagram.com/flordecabruera
Artigo escrito originalmente para a revista Costura Perfeita em 2020 e atualizado em 2024.
Edição 113 – Ano 2020
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