Temos costurado com grupos e projetos sociais de diferentes perfis e localidades, mas o poder do empreendedorismo familiar ainda não tinha mostrado sua força nestas páginas. Apresento a Família Kafú e Nadir. O encontro do cabeleireiro com a costureira virou um empreendimento de costura, no qual a cumplicidade profissional teceu as bases de um casamento de 27 anos bem-sucedidos, tanto nos negócios quanto na vida.
Nadir aprendeu a costurar em uma fábrica de bolsas em São Paulo (SP), onde trabalhou por 12 anos até ver a empresa naufragar nas águas turbulentas de uma gestão familiar mal sucedida. Tentou a formação de um grupo com mais 4 sócios para continuar a produzir, mas ainda não era um barco seguro e, em um dos vendavais, dispersaram-se. Pausa. Kafú, o cabeleireiro, conhece Nadir e juntos, trazendo na bagagem duas máquinas de costura, migram para São Bernardo (SP) em busca de um canto para chamar de seu. Mais uma tentativa de associação acontece, com uma ex-colega da fábrica, mas a canoa furou, e Nadir segue sozinha, prestando serviços para empresas nas condições possíveis: informalidade e propostas de remuneração ultrajantes, experiência que deixou registros profundos de indignação e o entendimento do custo dessas relações de trabalho, ferindo valores pessoais e familiares. Entre a necessidade do rendimento e as recusas a tentativas mercenárias de confeccionistas de bolsas, colocam a placa de cabeleireiro na porta de casa, e, como cumplicidade familiar pouca é bobagem, Nadir decide fazer o curso de cabeleireira, motivada pelo esposo, enquanto ele desperta para a costura. Dessa vez, a navegação segue com bote de segurança. Se a costura falhar, sempre teriam cabelos para cortar, além do próprio Kafú. Daí em diante, Nadir não estava mais “andando só”, como dizia. “Na minha visão, ajudando-a no que gosta, ela iria ficar bem e eu também”, revela Kafú.
Ambos curiosos, investem em cursos promovidos pela prefeitura local e, na trajetória de busca de oportunidades e aperfeiçoamento profissional, passam a integrar a rede de artesãos de costura atendida pelo projeto Costurando o Futuro, o ponto de mutação para eles e mais de uma centena de beneficiados. Iniciativa da Fundação Volkswagen, o projeto tem como objetivo promover a capacitação técnica, o desenvolvimento de produtos e o empreendedorismo, para a geração de trabalho e renda de grupos produtivos e empreendedores individuais, moradores do entorno da fábrica, em São Bernardo do Campo, agregando ao projeto valores social e ambiental, com o reaproveitamento de materiais provenientes do descarte de mostruários, tapeçaria, cintos automotivos, uniformes e outros. Cada grupo recebe uma cota de material para ser utilizada no desenvolvimento de novos produtos e vendida em eventos conjuntos ou individualmente. Com os materiais, os grupos têm liberdade para criar e desenvolver uma diversidade de acessórios, como bolsas, nécessaires, mochilas e uma infinidade de porta-coisas.
No processo, eles melhoraram a gestão do negócio, investiram em maquinário e oferecem serviços em modelagem, corte, costura, estamparia e desenvolvimento de um variado portfólio de bolsas, com acabamento impecável. Como diz Kafú, “oportunidade aproveita quem está preparado, atento e querendo fazer a mudança em sua vida!”. Essa família tem querer em abundância para transformar a sua ideia em produtos perfeitos.
Kafú Bolsas
Artigo escrito originalmente para a revista Costura Perfeita em 2018 e atualizado em 2024.
Edição 104 – Ano 2018
Clique aqui para acessar a publicação.
