A densidade emocional desta história encanta a cada desafio superado, conquistas e renúncias de mulheres cuja resiliência e determinação, aliadas à sabedoria adquirida em suas trajetórias de lutas, abriram um caminho sem fim de possibilidades, como diz Nelsa Fabian Nespolo. Chegar a este lugar só tem um trajeto: o da convicção de que podemos muito além do que nos julgam ou nos fazem acreditar.
Puxando o fio desta meada, voltamos a 1996, quando equacionadas as prioridades de infraestrutura, pós-ocupação da Vila Nossa Senhora Aparecida, em Porto Alegre (RS), no exercício do Orçamento Participativo, surgia uma nova morada e a consciência do poder do coletivo para a realização de melhorias na vida. Vila arrumada, emergiram as demandas sociais, como o desemprego de mulheres dispensadas das fábricas de confecção falidas e perda de mercado de costura para produtos asiáticos. Na busca de alternativas de geração de renda, 35 mulheres respondem ao chamado de Nelsa, Sônia e Iara para criarem a ‘Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos’ (Univens), com a perspectiva de atenderem às demandas do Hospital Conceição. O desafio, desde a elaboração estatutária, estendeu-se tempo bastante para perderem colaboradoras e o cliente potencial. Finalmente regularizadas, não tinham trabalho, mas impostos e despesas para pagar. A urgência definiu a atuação inicial como facção, cada uma em sua casa, até mudarem para o salão paroquial, seguido da incubadora pública e, juntas, somarem energia para qualificar a produção e diversificarem as atividades, com a serigrafia e a produção de multimistura (complemento alimentar). Conseguiram apoios importantes para a construção do prédio atual e fizeram muitas contas até perceberem que o esforço representava ¼ do valor dos produtos. Decidiram que precisavam dominar todo o processo de produção.
Em 2005, concretizam o primeiro teste de capacidade produtiva em cadeia com a confecção de 60 mil sacolas para o Fórum Social Mundial (FSM), orquestrada pela Univens com mais de 35 grupos, em 5 estados brasileiros. Exitosas e cheias de entusiasmo pela soma de tantas mãos, no calor das discussões sobre o tema, durante o Fórum nasce a primeira cadeia solidária do algodão agroecológico, registrada, em 2008, como Justa Trama. Ainda em 2005, conseguiram empréstimos para a primeira compra de algodão orgânico e produção da coleção inaugural que desfilou na favela do Cantagalo, no Rio de Janeiro, inspirando o entendimento de que os produtos necessitam ser acessíveis a todos, com valor justo. E isso muda tudo, porque o centro do negócio está nas pessoas. Neste ecossistema, a moda torna-se muito generosa. “Quando a gente faz uma roupa sem veneno, estamos trabalhando com muita humanidade. Estamos pensando no planeta e nas pessoas, para serem amadas e protegidas. Essa moda cuida das pessoas”, diz Nelsa.
A Justa Trama é formada por seis empreendimentos de economia solidária e comércio justo, com mais de 500 trabalhadores em cinco estados, abrangendo desde o plantio do algodão orgânico (ADEC/CE e AEFAF/MS); fiação e tecelagem (Coopertêxtil/MG); confecção (Uni- vens/RS); sementes e botões de casca de coco (Coop. Açaí/RO); biojoias e brinquedos educativos (Inovarte/RS). Foram processadas, em 2018, seis toneladas de algodão (rubi e cru). Em 2019, a perspectiva é atingirem sete toneladas do algodão cru.
O complexo em Porto Alegre sedia a Justa Trama, a Univens – com 23 colaboradoras – o Banco Comunitário Justa Troca e uma loja física com produtos de vestuário masculino e feminino, bonecos e brinquedos pedagógicos, biojoias e acessórios.
A Justa Trama é produto de longa caminhada. Ela foi concebida muito antes de existir, no imaginário coletivo de conquistas dessas mulheres e tantos trabalhadores. As fibras foram fortalecidas no enfrentamento diário de dificuldades, no amadurecimento das relações humanas e de trabalho e na visão ampliada de possibilidades, conectando pessoas e natureza.
E isso é só o começo desta história.
Justa Trama
Para saber mais e entrar em contato, visite o site do projeto
Artigo escrito originalmente para a revista Costura Perfeita em 2019 e atualizado em 2024.
Edição 111 – Ano 2019
Clique aqui para acessar a publicação.
