Há meses estive de flerte com a Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap) para conhecer o universo da costura no sistema prisional. Essa entidade atua nas unidades prisionais do Estado de São Paulo desde 1976, com a delicada e fundamental missão de, pela educação e capacitação profissional, costurar os retalhos de valores humanos, autoestima e identidades sociais – rasgados pela própria sociedade –, reconstituindo os tecidos cultural e emocional do cidadão. Para isso, mantém um programa de educação não formal, com geração de renda e inclusão social de egressos, estruturado, rigoroso e ambicionado nos presídios em que atua.
Hoje, aproximadamente 10 mil presos frequentam os cursos e as oficinas. São 33 oficinas profissionalizantes, em diversas cidades, das quais cinco são dedicadas à produção para a marca Daspre.
O programa representa “oportunidades”: reintegração pessoal e social, remuneração, autonomia profissional futura e redução de pena (1 dia de pena a cada 12h de estudos e/ou 3 dias trabalhados). A Dra. Lúcia Maria Casali, diretora-executiva da Funap, atenciosamente esclarece sobre o sistema: “Os candidatos passam por várias etapas de seleção, a qual se inicia pela análise dos perfis psicológico e comportamental pela direção do presídio, o que confere ao programa um importante fator disciplinador. Os selecionados ingressam no Programa de Educação para o Trabalho e Cidadania, que atende quase metade do sistema prisional, no qual aprendem seus direitos, cuidados pessoais, códigos de comportamento e hierarquia, habilidades de sociabilização e empreendedorismo. “Primeiro, aprender a ser para, depois, aprender a fazer”, diz Dra. Lúcia.
Todos os cursos são certificados por organizações parceiras e ministrados pelos 700 “monitores presos”. Concluída a formação, estão aptos a concorrer às vagas nas oficinas profissionalizantes ou aguardar em lista de espera. Nas oficinas de costura femininas e masculinas, produzem uniformes e peças diversas para clientes. O modelo de remuneração é proporcional à habilitação técnica: aprendiz, ¾ do salário mínimo; acréscimo de 15%, quando meio-oficial; e, dominando a técnica, como oficial, o adicional é de 30%.

Em 2008, ano marcado por rebeliões e crise financeira, de um impulso criativo nasceu a marca Daspre, com a desafiadora missão de superar preconceitos, resgatar o prestígio do programa educacional, o apoio político e a sustentabilidade financeira. O gosto e as habilidades artesanais vieram ocupar um vazio estético, dando qualidade e estímulo a costureiras e artesãs, além da confecção de uniformes e brindes. Mulheres apartadas da sociedade e abandonadas pelas próprias famílias produzem lindas peças de crochê, tricô, decoração, cama e mesa, bolsas, artigos infantis e outros artefatos de um colorido e capricho que são a tradução dos benefícios da atividade produtiva e, particularmente, da costura e do artesanato na vida de pessoas que experimentam a felicidade e o empoderamento, mesmo privadas de liberdade. “A cada ponto, a reflexão, a cura de feridas e a coragem para recomeçar”, comenta Dra. Lúcia. Não há registro de reincidência criminal entre as quase 10 mil mulheres que passaram pelas oficinas da Daspre.
Na produção, priorizam materiais de reúso e aceitam doações de tecidos, linhas, papelão e madeira. Os produtos feitos nas oficinas da Daspre, como peças de costura, crochês, tricôs, artesanato, marcenaria, entre outros, podem ser adquiridos na loja Do Lado de Lá, que fica no próprio prédio da Funap. Informe-se também sobre parcerias produtivas.
Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap)
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Artigo escrito originalmente para a revista Costura Perfeita em 2017 e atualizado em 2024.
Edição 98 – Ano 2017
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