Em minha busca por referências de iniciativas em que o diálogo entre cultura, comunidade e produção sustentável fosse equilibrado e próspero, embarquei em uma aventura para conhecer um dos projetos internacionais mais bem-sucedidos nesses quesitos, o Instituto Cultural Norbulingka, em Dharamsala, norte da Índia, aos pés dos Himalaias.
Situando historicamente, desde os anos 1980, Kelsang Yeshi e sua esposa, Kim Yeshi, projetaram uma comunidade artística para perpetuar a arte e a cultura tradicionais tibetanas em um ecossistema de convivência, aprendizagem e produção, para que mestres e aprendizes promovessem emprego e renda para refugiados tibetanos.

O Instituto Norbulingka foi fundado em 1995, por Dalai Lama, sendo o mais importante centro de cultura tibetana do mundo. Essa soberania percebe-se desde a poesia do projeto que integra o complexo de prédios, jardins e a fonte central, representando o coração que emana bondade para todos os seres vivos. A cidadela cultural abriga também uma faculdade de estudos tibetanos, pousada, restaurantes e apartamentos onde estudam, trabalham e residem quase 350 pessoas e suas famílias. Todos os trabalhadores recebem, além dos salários, o auxílio-moradia. Quem não mora na cidadela habita a charmosa vila do entorno, formada a partir dela.

Norbulingka é um modelo de negócio sustentável, estruturado em três pilares: produção, capacitação e serviços (hospedagem e gastronomia). Toda a receita produzida pelas atividades econômicas de cada setor é reinvestida no próprio instituto e nos projetos sociais que mantêm, em um esforço contínuo para preservar a cultura tibetana e a qualidade de vida de seus colaboradores. No eixo de capacitação e produção, mantém nove oficinas: pintura de Thangka, fabricação de estátuas, aplicações de Thangka, fabricação de papel, artesanato em madeira e metal, pintura em madeira, tecelagem, tingimento, serigrafia e confecção. Cada setor desenvolveu uma linha de produtos de altíssima qualidade em design, matérias-primas e processos.

As mulheres tibetanas acolhidas pelo Instituto não tinham instrução, mas sabiam costurar, um traço cultural da autossuficiência das famílias locais, permitindo a formação dos ateliês de costura e bordados. Para viabilizar economicamente a produção, toda a cadeia foi desenvolvida internamente, da fiação à comercialização. A entropia do modelo fortaleceu o compromisso com a qualidade e o envolvimento de todos em cada etapa do processo. O Instituto criou duas marcas, The Travaller’s Colletion e Nomad, de vestuário, acessórios e decoração. Os ateliês são coordenados por mestres, que combinam aprendizagem com a execução dos projetos, garantindo o elevado padrão de qualidade das peças. A gratidão e a realização dessas mulheres podem ser ouvidas, diariamente, na sonoridade das preces matinais, que anunciam o começo dos trabalhos nas oficinas.


A seção de tecelagem dá o tom da seriedade do processo e exclusividade das peças. O tecido é produzido com fios de algodão orgânico cru e fios de seda indígena, o eri, ou “seda não violenta”, obtido após o abandono do casulo. A fiação é produzida em rocas, seguindo para a seção de tingimento manual, sem uso de produtos químicos e pré-lavagem. A tecelagem é feita à moda tradicional, em um tear que data de 1800, um legado britânico.

O design é pensado para que sejam peças duráveis, com traços atemporais, tons claros e que valorizem com o desgaste, não o contrário. Passando pela oficina de costura, em que jovens e crianças transitam livremente, pois muitas residem no Instituto, sigo para a elegante loja onde exibem todos os produtos dos ateliês. Norbulingka é uma lição de design, significado e qualidade. Da matéria-prima ao produto acabado, os valores que orientam o negócio tem inspiração na arte e nas pessoas. Tudo nele é sobre cuidado, tradição e sustentabilidade. Que viagem!

Norbulingka Institute – Dharamsala, Índia
Para saber mais e entrar em contato, visite o site do projeto
Artigo escrito originalmente para a revista Costura Perfeita em 2018 e atualizado em 2024.
Edição 101 – Ano 2018
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